segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Sinal dos tempos

'1980'

- Dona Eugênia, por favor. - disse o chefe em tom alto, sentado a mesa.

A senhora entrou na sala e ajeitou o paletó do terno marrom, pendurado no cabideiro ao lado da escrivaninha de mogno vermelho. Tinha cerca de 60 anos, cabelos grisalhos presos em coque.

- Pois não, sr. Edgard? - respondeu a mulher. Sua voz tinha uma linha de rouquidão trazida pela idade.

- A senhora já pôde verificar a correspondência do escritório? - continuou o homem, tomando o cuidado de olhar a senhora nos olhos enquanto falava, para auxiliá-la com o pequeno problema de audição que se manifestara há alguns meses.

- Sim, Sr. Edgard. Cá estão! - disse Eugênia, estendendo dois pacotes de envolopes sobre a mesa do patrão. A pilha de cartas da esquerda tinha os envelopes abertos e as correspondências presas por clipes em seus respectivos envelopes; o pequeno monte da esquerda tinha as cartas completamente seladas. - Como o senhor já está acostumado, as cartas endereçadas ao ofício estão organizadas por ordem de relevância do assunto, as enderaçadas ao senhor, especificamente, estão separadas neste outro monte.

- Muitíssimo obrigado, Eugênia! Não sei como eu poderia me organizar sem esse cuidado todo da senhora. Aliás, pode-me auxiliar em uma outra tarefa?

- Com certeza, diga-me o que precisa.

- Vou ditar uma carta, gostaria que a senhora a datilografasse.

- Um minuto, vou buscar a máquina. - disse já caminhando em direção a sua mesa, na ante-sala. Apesar da idade, caminhava rapidamente, e o peso da máquina de escrever parecia bem menor do que realmente o era em sua mão. Já sentada na pequena bancada ao lado da mesa do chefe, esperou que ele pigarreasse antes de começar:

- Caro José. O relatório que me enviou esta semana estava bastante completo e facilitou-me sobremaneira na composição da apresentação que usarei na próxima reunião do Comitê, segunda-feira vindoura. Gostaria de convidar você, sua mulher e suas crianças para um jantar em minha casa no segundo dia do próximo mês, por volta das 18h. Será uma honra recebê-lo, especialmente porque estou certo de que esta licitação será nossa graças ao seu trabalho. Peço apenas que confirme sua presença com minha secretária, Dona Eugênia, até o próximo sábado. Atenciosamente, Edgard Carvalho."

- Com a licença que me é devida, Sr. Edgard, mas o senhor está mesmo tão confiante de que venceremos esta licitação? - perguntou Eugênia, enquanto retirava a folha recém-escrita da máquina e anexava-a a um envelope em branco que repousava ao lado.

- Muito confiante! O trabalho deste jovem foi impecável! Ah, antes que me esqueça. Na lista de lembranças de final de ano que pretendemos enviar aos fornecedores, favor retirar o nome da W.M.Y., infelizmente vou rescindir o contrato com eles daqui algumas semanas e acho que não seria de bom tom enviarmos mimos de Natal.

- Com certeza, Sr. Edgard. - respondeu rapidamente a senhora, andando a pequenos passos rápidos de volta a sua mesa. Antes de sair, fechou a porta do chefe cuidando para não batê-la.

Edgard ficou algum tempo mirando a janela ao longe, depois voltou a cabeça para o jornal que ainda não terminara de ler sobre sua mesa.

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'2010'

- Sheyliane! - gritou uma voz masculina - Sheyliane, porra, porque você nunca tá na sua mesa?

Uma jovem loira entrou na sala esbaforida. Batia a mão sobre a blusa, deixando algumas migalhas de pão cairem no interior da sala. Tinha no máximo 21 anos, unhas pintadas de vermelho intenso.

- Desculpa chefe, tava comendo um lanchinho e não ouvi você berrando. Pode mandar que eu já cheguei!

- Você já abriu meus e-mails hoje? Tô com um problema de acesso aqui nessa merda de computador. - respondeu o homem, olhando para a tela azul com letrinhas cinzas.

- Vixe Jesuis! Esqueci de tudo. Dá cinco minutinhos que eu já faço isso, Mau.

- Vai logo!! E para de me chamar de Mau. Uma hora você esquece e me chama assim na frente da minha mulher! É Maurício, Sheyliane, Maurício!

- Ai, desculpa!

- Anda, vai, vai!

Quase quinze minutos depois Maurício ouviu o som inconfundível do salto da jovem aproximando-se da porta de sua sala.

- Pronto chefe! Tudo lidinho. - a loira olhou para a tela do computador, que agora funcionava - Ah! Voltou né? Então, eu marquei com aquela bandeirinha vermelha os assuntos importantes, o que eu achava que não prestava eu joguei pra lixeira. Ah! Tem também um e-mail da sua mulher. Ele tá marcado como lido aí porque eu cliquei errado, mas o senhor não leu não.

Maurício olhou feio para a secretária, que voltou a falar antes que ele pudesse recriminá-la.

- E olha, é bom o senhor ligar logo pra bruaca, que pelo jeito o bicho tá pegando pro lado do senhor viu!

- Ai Sheyliane, eu só não te demiti ainda porque tenho preguiça de entrevistar outra viu! Vai, vai, sai da minha sala! Vou terminar um e-mail aqui e vou te enviar. Quero que você revise o texto com o corretor do Word e envie pro Zézão da Contabilidade.

- Sim senhor, chefinho! - respondeu, rodando os pés sobre os saltos e saindo rebolando em direção ao corredor.

Enquanto a porta batia estrondosamente, Maurício digitava displicente em seu teclado: "Zé! O seu pdf foi foda! Me salvou! O ppt que eu fiz de madrugada pra reunião de hoje a tarde ficou bem bom! Passa lá em casa sabadão pra tomar umas. Certeza que os gringos vão escolher a gente agora!". Nem leu o que havia escrito e enviou para a secretária. Esta, por sua vez, apertou a tecla de "Forward" digitando o endereço do tal Zé da Contabilidade, sem ao menos se dar ao trabalho de bater os olhos sobre o texto do patrão.

Alguns minutos depois a porta do corredor se abriu, deixando ver a cabeça de Maurício por entre a fresta.

- Sheyli!!! Lembra de depois deletar o dono daquela merda de W.M.qualquer-coisa do meu Facebook. Ah, e bloqueia ele no meu msn também! O cara é um porre!

Bateu a porta e voltou a sua mesa:

- Porra! Travou de novo!

Voltamos com nossa programação normal



Senhores telespectadores, gostariamos de informar que tivemos um pequeno problema técnico que já foi solucionado.
Voltamos agora com a nossa programação normal!