terça-feira, 4 de novembro de 2008

Estórias de rodoviária...

Há cerca de dois ou três anos atrás, eu estava sentado numa rodoviária qualquer. O chão sujo e as paredes cheias de pichações não traziam muito ânimo pro fim de tarde cansativo, depois de um longo dia de trabalho.
A cidade era bastante pequena e havia pouca movimentação na rodoviária. Não me lembro bem o porque, mas naquele dia o ônibus demorou muito além do comum para estacionar na vaga destinada a ele.
Um ou outro pombo fazia algazarra no meio de um monte de milho jogado no chão, no meio dos bancos nos quais as pessoas esperavam. Num desses bancos estava eu, e estava também um senhor bastante velho. Seu olhar parecia distante. Na verdade, focava uma ranhura na parede do outro lado do pequeno átrio de espera. Parecia bastante simples, calçava sandálias de couro marrom e calças jeans já meio sujas nas barras. Contudo, a camisa com finas listras azuis e brancas que ele vestia estava impecavelmente limpa e bem passada.
Lembro-me de ter demorado algum tempo observando o senhor perdido em seus pensamentos:

- Boa tarde. - ele disse, me pegando de surpresa.
- Boa tarde. - respondi eu, sorrindo amarelamente.
- Quantos anos você tem?
- 20, faço 21 em uma semana.
- Foi mais ou menos nessa época que eu casei. Acho que um dos sentimentos mais difíceis de se acostumar é a saudade.
- Porque?
- Faz menos de um mês que minha esposa faleceu.

Um curto silêncio interrompeu o diálogo, um daqueles momentos em que o tempo do relógio não condiz exatamente com o que realmente percebemos:

- Meus pêsames... - respondi meio constrangido.
- Não se preocupe! - continuou ele, mantendo o mesmo sorriso do começo da conversa - Foi o melhor para ela, para nós, sofreu muito, sabe?!

Um ônibus passou soltando jatos de fumaça preta sobre nós. Ambos tapamos os narizes, tentando absorver o mínimo dela:

- Nunca amei outra pessoa na vida. Ela foi minha única mulher e meu único amor.
- O senhor deve estar sentindo muita falta dela.
- Estou me habituando a ver a casa vazia. A chegar no final do dia, depois de passar a manhã e a tarde cortando cana e não ter ninguém em casa.
- Mas o senhor ainda trabalha?
- Trabalhava. Último dia ontem. Estou indo hoje no escritório acertar a papelada. Não que eu quisesse parar, minhas filhas me obrigaram.

- Vai ser mais difícil para ele se acostumar com a solidão sozinho em casa - pensei - Mas se eu fosse filho dele também não ia quere vê-lo trabalhando num canavial nessa idade:

- Essa é a última camisa. - disse ele interrompendo meus pensamentos.
- Desculpe?
- É, essa foi a última camisa que minha mulher deixou passada para mim.
- Mas suas filhas devem estar lavando a roupa do senhor.
- Estão, estão sim. - respondeu, rindo de um cachorro vira-latas que corria atrás da última pomba restante no pátio - Mas eu estava guardando essa pra uma hora especial. Depois de mais de cinquenta anos trabalhando, o último dia é um dia especial.
- Sem dúvida é.
- Sabe, por muitos anos, todos os dias de manhã, minha mulher mandava que eu trocasse de camisa. Eu trabalhava num dia com uma, e no dia seguinte ela me dava uma limpa para eu vestir.

O ônibus que havia chegado na plataforma saiu fazendo o mesmo barulho e soltando a mesma fumaça, interrompendo novamente nossa conversa.

- No começo isso não me incomodava. Mas eu sempre percebia que os outros homens não trocavam as camisas todo dia, as vezes usavam a mesma camisa suja durante a semana toda. Sabe como é, quando a gente trabalha na roça não liga muito pra essas coisas.
- Entendo. - disse eu, sorrindo para a minha calça limpa e minha camisa ainda bem passada, mesmo depois de um dia de trabalho.
- Mas ela não. Ela me obrigava a trocar de camisa sempre, nunca cheguei a usar duas vezes uma camisa que tivesse o menor sinal de sujeira. Mas teve uma vez, uma vez em quarenta e cinco anos que ela adoeceu. Ficou muito ruim mesmo, os doutores disseram que eram umas pedras.
- No rim?
- Isso, acho que era aí mesmo. - disse ele soltando uma leve gargalhada - Então, nesse mês ela não conseguiu lavar minhas camisas, e eu acabei usando uma camisa suja alguns dias. Até o dia que eu entrei no hospital e ela disse, 'Como assim, você não trocou de camisa?'
- Eu respondi que não, e de repente algumas lágrimas escorreram pelos olhos dela. Eu perguntei se ela estava sentindo alguma dor, mas ela respondeu que não, que estava triste por que eu estava usando camisas sujas.
- Nossa! Mas ela estava se preocupando com isso?
- Foi o que eu pensei. Lembro que eu levantei um pouco a voz e perguntei por que ela estava preocupada com camisas, se a saúde dela era tão mais importante.
- E o que ela disse?
- Ela me respondeu, 'Todos esses anos, eu sempre fiz questão de que você usasse camisas limpas, porque eu queria que qualquer pessoa que olhasse pra você tivesse certeza de que você tinha uma mulher em casa que se preocupava com você. Uma pessoa que acima de qualquer coisa, queria ver você bonito, bem vestido.'
- 'Mas então, todos esses anos, você me fez usar roupa limpa para os outros verem?' eu perguntei pra ela. E ela respondeu: 'Não, eu fiz você usar roupa limpa porque eu queria provar para todas as pessoas que eu te amo, e que eu cuido de você.'

As poucas pessoas que estavam na rodoviária continuavam passando, mas naquele momento eu mal as via. Apenas olhei para o senhor e sorri.

- É por isso que eu te digo, meu filho. Aproveite sua vida o quanto você quiser, mas tenha certeza que pelo menos uma vez você ame alguém de verdade e alguém te ame do mesmo jeito. Por que é só essa certeza que me fez aceitar a falta dela.

Eu esbocei qualquer resposta mas o meu ônibus chegou fazendo barulho. Fiquei sentado, olhando para o vazio junto com o senhor. Alguns minutos passaram sem que eu ou ele falasse qualquer palavra. Foi a voz do motorista que interrompeu nosso silêncio:

- Ônibus saindo!

Eu levantei meio assustado e sorri para o senhor. Ele sorriu de volta e se levantou, me dando um rápido abraço.

- Boa sorte com o negócio do trabalho - foi a primeira coisa que eu pensei em dizer -e parabéns por ter encontrado uma pessoa assim na sua vida.
- Obrigado. - foi a única resposta que eu tive, sem saber ao certo se ele respondeu pelos votos de sorte ou pelo outro comentário. Apenas acenou enquanto o ônibus deixava a plataforma. Acenei de volta e nunca mais o vi.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Re: Ode à Impessoalidade

24/10/2008 - 18:45 - Linha Verde / Metrô de São Paulo

Trens lotados devido ao horário. Muito empurra-empurra. O sinal de luz na porta pisca algumas vezes, acompanhado da campanhia típica.
As pessoas se amontoam, mas dessa vez - também pelo horário - algumas conversam com as outras. Não que conversem com algum desconhecido que tivesse sentado ao lado, mas pelo menos dessa vez ouvem-se vozes.
O auto-falante do vagão chia um pouco:

- Próxima estação, Brigadeiro. Senhores passageiros, carreguem suas mochilas e pertences nas mão para evitar acidentes.

Alguns minutos de silêncio e então um homem meio calvo olha para a moça sentada a sua frente:

- Pluraaaalllll!!!!

Em poucos segundos, pelo menos metade do vagão lotado dava risadas e comentava o erro do locutor no auto-falante. Pessoas que nunca se viram, rindo juntas pelo mesmo motivo.
A campanhia típica toca de novo, o riso cessa, algumas pessoas descem, outras sobem, mais ninguem se lembra de olhar para a pessoa ao lado.
Dessa vez, pelo menos, o pouco de humanidade que ainda teima em tentar unir as pessoas acenou no meio da impessoalidade.
Talvez haja salvação...

sábado, 4 de outubro de 2008

Diamonds Are a Girl's Best Friend

- Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe - de repente, um rapaz alto levanta-se interrompendo o final da contagem.

- Oitenta e quatro mil dólares! - disse sorridente, erguendo a pequena placa verde que segurava. Vestia-se alinhadamente: terno preto com riscas de giz, camisa bege e uma belíssima gravata salmão com pequenas tiras pretas que desciam paralelas umas as outras.

Nesse momento, uma bela mão com cinco longas unhas cuidadosamente pintadas de vermelho agarra-se à manga do terno preto e puxa-a:

- Cala a boca e senta aqui, seu louco! - sussurrou a bela morena de olhos azuis que sentava-se ao lado do rapaz. Ela vestia-se igualmente bem: seu vestido azul marinho cintilava levemente e a grande fenda nas costas permitia que sua pele branca fosse vista; a tira-colo, uma pequena bolsa prateada assentava-se sobre suas pernas.

O rapaz ainda sorrindo sentou-se vagarosamente, piscando levemente para algumas das pessoas que o olhavam com inquietação. O leiloeiro continuou:

- Bem, neste momento este belíssimo anel de ouro cravejado de quarenta e dois pequenos diamantes, que pertenceu a princesa Samra, vai para o simpático cavalheiro na quarta fileira. Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três! Vendido! Parabéns senhor. Com sua licença, vamos fazer uma pequena pausa neste leilão.

Enquanto as pessoas se encaminhavam até o hall, onde um pequeno coquetel era servido, a jovem arrastava delicadamente o homem na direção contrária.

- O que você pensa que está fazendo, Michael? - indagou ela, corando levemente o rosto de raiva.

- Oras, o que as pessoas fazem quando vem a um leilão?

- Você só pode estar brincando! Você sabe que... - um homem gordo, com um grande bigode tampando boa parte de sua boca aproximou-se, impedindo que a jovem terminasse a frase.

- Que bela aquisição meu jovem, com sua licença, o sr. chama-se? - perguntou o gordo.

- William, William McTuft II, e esta é minha bela esposa, Mellissa. - respondeu o jovem apontando para sua acompanhante.

- Thomas Berryghan, é um prazer. Mas como eu dizia, seu marido deve realmente estar apaixonado pela senhorita. É uma peça realmente belíssima.

- Certamente, ele sempre faz o impossível para me agradar. - respondeu Melissa olhando de canto de olho para o marido.

As pessoas já estavam quase todas sentadas quando o leiloeiro anunciou a próxima peça:

- Este belíssimo conjunto de esculturas chinesas, cravejadas em diamantes, safiras, esmeraldas e rubis, data do século IV, e teria sido o presente dado pelo Imperador chinês a sua filha no seu aniversário de quatorze anos. As doze peças representam os doze signos do horóscopo chinês. Começaremos este leilão com uma oferta inicial de oitocentos e cinquenta mil dólares.

Dois homens levantaram suas placas verdes, sem grande alarde. Sucessivamente o leiloeiro anunciou em voz alta o valor em que as peças estavam sendo vendidas. A sala estava bastante vazia, neste momento. Seis pessoas estavam sentadas, além do jovem casal. Também havia o leiloeiro, quatro segurança armados e duas moças mostrando as peças do leilão.

Sem grande movimentação o jovem levantou-se, dirigiu-se até o fundo da sala e parou junto a porta. Poucos segundos se passaram até Melissa levantar-se também, ficando parada no centro da pequena sala. Rapidamente, Michael sacou duas pistolas prateadas e baleou os dois seguranças que estavam ao fundo. No mesmo instante Melissa sacou da bela bolsa prateada um pequeno revólver dourado, atirando nos outros dois seguranças à frente da sala, antes que os mesmos pudessem esboçar reação.
Mais nove tiros foram ouvidos dentro do lugar, quase impossível determinar de qual arma tinham saído.

Os dois sorriram um para o outro. Michael andou na direção da mulher, abraçando-a e beijando-a. Pegaram dois pequenos sacos pretos que estavam dentro da bolsa prateada e colocaram as doze estatuetas. Já estavam na porta quando Michael parou.

- Nossa! Quase me esqueço. - enfiou a mão dentro do saco preto que carregava e tirou um pequeno rato de prata coberto por pequenas pedras que pareciam ser diamantes. Andou a passos rápidos até uma mesa lateral, na qual estavam expostas as outras peças do leilão. Tirou uma pequena caixa preta que estava fechada sobre a mesa e deixou o rato no lugar, voltando à porta.

- Delilah, você aceita se casar comigo? - disse ele abrindo a caixinha e mostrando o anel à jovem.

- Mas... você...

- Não queria que nosso anel de noivado fosse roubado.

- Ahhhh... É lógico que aceito. - respondeu a jovem jogando os braços no pescoço dele e dando-lhe um demorado beijo. O leiloeiro, do outro lado da sala levantou o braço em direção ao botão de emergência sob a bancada em que estava, mas foi atingido por uma bala disparada por Delilah, ainda agarrada ao pescoço de Michael.

- Você não ouse atrapalhar este momento! - completou ela, abrindo a maçaneta da porta logo depois de retornar a arma na bolsa.

Na recepção, o gerente do hotel sorriu para ambos:

- Já estão de saída senhores?

- Já sim - respondeu Michael.

- Já arrematamos tudo o que queríamos. - completou Delilah sorrindo.

- Estejam sempre à vontade para voltar, nosso hotel está de portas abertas ao senhores.

Na rua, enquanto aguardavam o manobrista trazer o carro, Delilah olhou para o jovem, fazendo carinho no rosto dele:

- Já te falei que eu adoro essas salas com isolamento acústico? Pena que essa não tinha câmeras de vigilância, senão nós teriamos nosso momento gravado. - Michael riu:

- Vamos, o carro chegou.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Mil e um anoiteceres...

Sherazade costumava me contar essa estória...

Durante séculos existiu um clã de magos que habitou as mais belas cidades árabes. Nunca houve uma pessoa sequer que pudesse dizer exatamente o que estes magos podiam fazer. Alguns diziam que eles podiam alterar sua forma, se transformando em coisas e animais. Outros diziam que eles podiam convencer qualquer homem ou mulher a fazer o que eles desejassem. Algumas senhoras acreditavam cegamente que haviam sido enfeitiçadas por alguns destes magos, se dizendo perdidamente apaixonadas por um homem que não podiam amar.
Fato é que enquanto durou a lenda, tornou-se um hábito corrente da época culpar um dos magos por decisões erradas ou inesperadas que se tomasse.


Nas primeiras vezes que Sherazade me contou essa estória ela sempre me mostrou como aqueles magos utilizavam seu poder incomensurável para alcançar tudo o que queriam. Foi numa noite, então, que eu a questionei. Se eles podiam ter tudo, fazer tudo, alcançar tudo, como então esse clã não existia até hoje? Como foi que eles não se tornaram os maiores reis de todos os tempos?

Foi então que ela me contou a estória do Príncipe Khalid. O príncipe descobrira ser um dos descendentes do clã de magos certa noite, quando viu a bela noiva de seu primo Naim na festa de casamento dos dois e desejou intimamente que ela o deixasse e fosse sua. No dia seguinte ao casamento Naim foi encontrado morto com catorze punhaladas de uma faca prateada que jazia ao lado da cama. A jovem Samra foi encontrada horas depois, dormindo abraçada com Khalid.

A jovem disse não se lembrar o que acontecera naquela noite. Ainda assim foi morta quatro dias depois. Khalid ainda duvidou que pudesse ser o causador daquela tragédia familiar até o dia em que duas novas aias que ele vira passando num dos corredores do palácio o procuraram em seu quarto a noite se oferecendo para o príncipe e saltando da sacada de seu quarto quando o dia começava a amanhecer.

Foi então que o futuro monarca entendeu o grande fardo que lhe cabia. Ele podia ter tudo o que quisesse, mas nunca por mais de uma noite. Sempre, na noite seguinte, tudo o que ele conseguira através de sua magia era tirado dele a força. Ainda mais terrível foi quando ele percebeu que ele estava começando a perder o controle sobre sua magia. Sempre que ele pensava que poderia ter alguma coisa se tornava absurdamente irresistível consegui-la através de seus poderes, ainda sabendo que perderia tudo logo depois.

Cada noite que ele usava seu poder era melhor que a noite anterior. Khalid simplesmente não conseguia sequer pensar nas consequencias de seus atos quando estava sob influência de sua própria magia. Contudo, o dia seguinte era como se todo o peso do mundo caísse sobre seus ombros. Khalid pensou que poderia se livrar de sua sina se usasse seu poder místico desejando profundamente não ter mais poderes.
Após fazer o desejo, contudo, percebeu que naquela noite quando Aníssa visitou seu leito que seu plano havia dado errado. Khalid sofreu por anos com o peso de seus desejos realizados até que um dia percebeu o que então lhe pareceu óbvio. Se não podia desejar que sua magia acabasse, poderia desejar que todos os seus súditos dividissem com ele a conseqüência de suas vontades.

Naquela mesma tarde Khalid desejou dividir seu poder com todo o seu reino. Dormiu aquela noite tranquilamente e quando foram procurá-lo em seu quarto no dia seguinte encontraram-no morto, mas com um sorriso reconfortante no rosto. Dizem que desde então, toda a humanidade é obrigada a encarar as conseqüências de tudo o que desejam.




Lembro que pedi a Sherazade para me contar uma estória mais feliz na noite que se seguiu.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Homenagem nostálgica...

E ja faz quase dois anos desde que eu tive o prazer de voltar à maravilhosa Buenos Aires depois de dois dias e meio de viagem...



Uma cidade maravilhosa, onde até mesmo as pichações nos muros tem um forte cunho político...


Uma cidade preparada para atender as necessidades de toda a população...

Placa a dois metros do solo (!!)

Num país onde a polícia federal não é ridicularizada pelo nome das operações que realiza...


Num país visionário, expoente dos maiores sucessos de abertura de novelas das oito...


Uma cidade que acima de tudo honra suas iniciativas empresariais nacionais...


É... definitivamente é uma cidade que precisa ser visitada de novo!

Fotos do autor

domingo, 3 de agosto de 2008

Próximo blockbuster da temporada...



HaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHaHa

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Mistérios das Natureza...

De uma forma geral, é bastante possível concordar com o senso comum de que tudo que existe no mundo existe por alguma razão. As vacas dão carne/leite/couro/entre outros; as girafas tem pescoço comprido pra comer as folhas no topo das árvores, as abelhas, apesar de serem alérgicas a algumas pessoas, polinizam; as baratas ainda serão a única espécie dominante na terra. Estaria tudo bem se fosse simples assim, mas não(!), precisa existir o ornitorrinco.



De acordo com a revista Nature, o ornitorrinco é um mamífero, um pássaro E um réptil. Isso, ao mesmo tempo. Os animaizinhos possuem bico de pato, rabo de castor, pele e pelos de mamíferos, patas dianteiras com membranas adaptadas para o nado, e patas traseiras com ferrões venesos. Melhor, estes ferrões ficam normalmente escondidos debaixo do rabo do animal, ou seja:

- Olha! Um predador! Vou usar meu ferrão venenoso! - POF, o ornitorrinco cai morto. Ao tentar habilmente usar seu ferrão, acertou o próprio rabo.

Como é considerado um mamífero, é uma excessão na espécie, porque põe ovos. Mas a fêmea não tem mamilos, "amamenta" suas crias através de glandúlas sudoríparas (!!!) adaptadas.
Tem mais, normalmente não se aproveita parte nenhuma do bicho: sua carne não é boa para o consumo, seu bico não é ósseo (por ser coberto por uma membrana cartilaginosa não pode ser usado para nada), sua pelagem não serve pra fazer casaco. Resumindo, o bicho é estranho, é feio, e não serve pra nada!

Na verdade o ornitorrinco é o alívio cômico do reino animal. Imagine numa festa com todos os animais batendo papo, um pato vira pro ornitorrinco e fala:

- Eai bicudo, vamos para o sul no inverno? HAHAHA Ele não pode, é um ornitorrinco!

Isso se ele não resolver usar os ferrões e acabar com tudo!!!

Definitivamente Deus inventou o bullying junto com os ornitorrincos.

E pra terminar: "Ornitorrinco", em inglês, é Platypus, palavra latina derivada do grego πλατύς ( "platys", plana, larga) e πους ( "pous", pé), significando "pé chato". Ou seja, DE ONDE TIRARAM A TRADUÇÃO O-R-N-I-T-O-R-R-I-N-C-O-????!!!!

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Ode à Impessoalidade



São 5:00 (e por 5:00 leia-se, 5:00, nada de a.m. ou p.m., 5:00 pura e simplesmente!) de uma segunda-feira. A cidade já começou um novo dia. A cidade não terminou o dia anterior. O vagão está a cerca de 20 metros em direção ao centro da terra, mas e daí? Ainda não há luz la fora.
Um grupo de homens vestidos de ternos pretos pára na plataforma. Devem ser músicos, eles carregam umas grandes caixas pretas. Mas... poderiam ser gângsters, de alguma máfia local. As caixas poderiam estar cheias de armas! Não, são músicos. Indo ou voltando? Os sapatos cegam de tão lustrados. Certamente estão indo. O som aumenta. Não é mais só o vento, nem os homens tocando. O trem chegou e as pessoas entram nos vagões. Mecânicos - tanto pessoas quanto vagões.
Uma mulher vestida de branco está sentada alguns lugares a frente. Ela encosta a cabeça no vidro mas não fecha os olhos. As olheiras não escondem, ela está voltando de um hospital. Talvez trabalhe lá, talvez seja voluntária. Também, isto independe, ela não está mais lá, nem está aqui, ela está muito mais longe disto tudo aqui.
Casais entram abraçados. Homens, mulheres, homens, homens, mulheres, mulheres. Voltam de uma festa, e falam alto, a música provavelmente era muito boa na festa, foi o assunto de duas estações. Saem ser ver ninguem, tal qual entraram.
Uma moça com um livro na mão abaixa-o rapidamente para ler o nome da próxima estação. Chorando. A história do livro deve ser triste, ou então a história da vida dela.
Algumas estações a frente e ouve-se... Estação Terminal. Todos que ainda sobraram descem. O dia nem amanhaceu mas ninguem percebeu, as plataformas já estão cheias de pessoas, sozinhas. 5:45!! Boa noite...

14:30 do mesmo "dia". O mesmo buraco metros abaixo da rua. E ele continua cheio de gente. Muito mais gente. E as pessoas continuam entrando e saindo dos vagões. Agora, além de não ver umas as outras elas se esbarram, e se empurram. Uns olham pro chão, outros sequer olham pra frente. O vagão começa a se mover e um rapazinho desavisado perde o equilibrio e cai no chão.Os dois homens que estavam próximos sequer moveram os pés para impedir o menino de cair. A mãe puxa o menino pela mãe e fala alguma coisa no seu ouvido. Pela cara do menino ela não deve ter tido nenhuma palavra de conforto pela queda.
Uma estação está chegando. As portas da esquerda se abrem, algumas pessoas entram, outras saem e... ei! esperem! ela me olhou... Aquela loira sorriu pra mim! Ela está ficando pra trás. Espera! Me acenou da plataforma! Ela pode ser o amor da... bom, esquece, o vagão voltou pra escuridão de novo. E dessa vez está claro lá em cima.
Na escada que dá acesso a luz novamente há um cartaz. Três milhões de pessoas por dia passam por alí. E nenhuma delas trocou uma palavra. Se ao menos eles se cumprimentasse, não não, se ao menos eles sorrissem. A cidade nunca começou novos dias. A cidade nunca terminou os dias anteriores. Boa noite...

sábado, 12 de julho de 2008

1 ano!

Sem textos hoje... apenas uma homenagem ao primeiro aniversário dessa viagem...

quinta-feira, 10 de julho de 2008

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De um lado:

E Deus disse:

- Faça-se a luz, e a luz se fez.


E daí pra frente ele teve várias idéias interessantes, vários planeta, Um planeta, água, montanhas, plantas, animais, e de repente... Um Animal: o homem!

E pior, Deus ainda resolveu dar algo a mais pra este, entre tantos outros animais: um cérebro com lóbulo frontal desenvolvido, ou, inteligência racional. E desse homem que Deus deu tanta atenção veio o pecado original, Sodoma e Gomorra, algumas guerras, um ou outro genocídio, BRILHANTES evoluções arquitetônicas, sociedades complexas, e o tal do homem virou homo sapiens (classificação dada a si mesmo, diga-se de passagem), e esse sapiens também se auto-entitulou homo economicus e vieram as revoluções industriais, mudanças na distribuição do trabalho, novas revoluções industriaus, novas mudanças na divisão do trabalho e BOOM, revoluçõeS tecnológicas: computadores de um quarteirão, computadores pessoais, notebooks, mesas touch screen, softwares que pensam por você, robôs.

Mais interessante, no meio desse caminho todo este mesmo sapiens resolveu questionar a vida. Os "comos" e os "porquês" da existência na Terra e de repente se viu questionando, oras, o próprio Deus. Houve, inclusive, um destes sapiens que ficou consideravelmente famoso afirmando que Deus tinha morrido (pelo menos ele aceitava que se Deus morreu é porque em algum momento ele esteve vivo?!)

Agora seguindo essa lógica: Deus cria o homem que evolui socialmente e questiona a existência de Deus e cria as máquinas e etc. Nesse fluxo, o homem cria as máquinas que evoluem e questionam os próprios homens e... pronto, vamos esperar algum robô anunciar que estamos mortos.

Por outro lado:

Esqueçamos Deus por enquanto.

Uma infinitesimal massa absurdamente compacta se expande sem motivo aparente e nesse expansão descontroladamente controlada surgem os átomos, moléculas, planetas, galáxias, Um planeta, e a tal da sopa primordial. E lá vamos nós de novo. Desta sopa evoluem os os primeiros unicelulares, e dai os pluri, e daí alguns répteis e um ou outro milhão de anos a frente surgem os homo erectus e daí, novamente, os sapiens. E já vimos esta história, dos sapiens vêm algumas guerras, os tais genocídios, as sociedades complexas, as revoluções, e o trabalho, e mais uma vez, as maravilhas tecnológicas com as quais nos habituamos.

Nesse caminho todo surge também um certo inglês que conforme todas as tradicões (necessárias ou não a sobrevivência do homem na Terra) é batizado de Charles Darwin. Este sapiens resolve ser naturalista e uma ou outra década de estudo depois define o que conhecemos como evolucionismo, e que o mais forte se adapta ao meio e sobrevive, e tudo mais.

Seguindo essa lógica: o Big Bang cria os mundos, que cria O mundo, que cria o sapiens que tenta descobrir como foi criado fazendo experiências sobre sua própria criação, simultâneamente, criando as máquinas. Pelo fluxo... o homem cria as máquinas que resolvem entender como foram criadas e começam a fazer experiências para entender sua própria criação e percebem que são mais desenvolvidas e podem se adaptar ao meio e evoluem e nós, espécie humana, dizemos tchau para a vida na terra, Darwin nos matou.

Resumindo, Deus e Darwin nunca estiveram tão longe assim um do outro.
Moral da história: fique atento a sua cafeteira, ela pode estar se adaptando e evoluindo. 00100110001110101000101000101000101010110...

sábado, 7 de junho de 2008

sexta-feira, 18 de abril de 2008

On the road



[Casa de campo/Varanda/tarde]

Duas grandes cadeiras de balanço estão ocupadas na varanda da pequena casa de madeira pintada de branco. Uma fina garoa cai.

[Menino, 12 anos]
Vô, posso perguntar uma coisa?

[Velho, cabelos brancos]
Claro.

[Menino]
Qual é o sentido da vida?

[Velho, surpreso]
Nossa, que pergunta é essa?

[Menino]
Ué,tava curioso. O senhor sabe qual é o sentido da vida não sabe?

[Velho]
Não, quero dizer, não exatamente.

[Menino]
Mas o senhor é velho. Já devia saber qual é o sentido da vida!

[Velho]
Bem... no final das contas o sentido da vida é ser feliz.

Passam alguns minutos. O menino se ajeita na cadeira, abraça os próprios joelhos e olha a chuva. Subitamente solta as pernas e senta-se na ponta da cadeira encarando o avô.

[Menino]
Quer dizer que... se no final da vida você não for feliz, ela não teve sentido? Assim, aquelas pessoas que a gente vê na TV, chorando porque um parente morreu numa guerra ou numa enchente... Eles não estão felizes.

[Velho]
Veja bem... Imagine que a vida é uma grande viagem.

[Menino]
Ahn?

[Velho]
Então... numa grande viagem, você passa por muitos lugares, conhece muitas pessoas...

O avô olha para o neto com um olhar paternal, espera te-lo convencido.

[Menino]
Numa viagem a gente não perde ninguém. Quero dizer, na vida, pessoas que a gente gosta muito vão embora, ou morrem. Isso não acontece numa viagem.

[Velho]
Oras, isso porque você está pensando só numa viagem de férias. Por exemplo, você pode fazer uma viagem para ajudar alguém especial para você a se mudar para outra cidade. Você vai, deixa a pessoa lá, e continua sua viagem de volta pra casa.

[Menino]
Mas...

[Velho]
Pense assim então: muitas coisas podem acontecer numa viagem: um pneu pode furar e você tem que desistir de viajar naquele momento; você pode conhecer alguém e se apaixonar, e essa pessoa pode te acompanhar pro resto da sua viagem, ou ser apenas alguém que vai fazer você se lembrar com muito carinho daquela partezinha da viagem.

O menino fica quieto. Olha para um inseto no braço da cadeira.

[Velho]
É claro que a gente não espera, mas numa viagem, pode até mesmo acontecer um acidente e alguém que viajava com a gente pode ir embora pra sempre.

[Menino]
Tá... acho que eu entendi o que o senhor quis dizer mas... a vida não pode ser uma viagem, mesmo!

[Velho, leve sorriso no rosto]
Porque não?

[Menino]
Quando a gente viaja, pode ser para levar alguém para longe, para ir pra praia, pra visitar o senhor aqui no sítio, ou até mesmo quando a gente tá voltando pra casa, sempre, sempre, a gente chega no lugar que a gente pensou que ia no começo. E na vida, no final dela, a gente morre. Assim fica parecendo que a vida seria uma grande viagem para o nada!

[Velho]
E porque a morte precisa ser o final? Talvez ela possa ser só uma paradinha para mudar de ônibus. Mas ainda assim, você vai acabar entendendo que no fim das contas, mesmo que a vida fosse uma grande viagem para o nada, o que importa não é o lugar
que você chega no final, e sim tudo pelo que você passou pra chegar até lá.

O menino olha intrigado para o avô. Aperta os nós dos dedos.

[Velho]
Quando você tá bem pertinho do fim da viagem, você acaba olhando para trás e vê tudo que você fez, tudo de bom e de ruim que aconteceu e que fizeram você mudar os planos para aquela viagem, e é só ai que você tem realmente certeza de que a viagem valeu a pena.

O menino fica cinco minutos quieto. Levanta-se devagar e cheira o ar.

[Menino]
É... acho que pode ser uma viagem então. Parece que o bolo ficou pronto, vamos comer?

O avô levanta. Passa o braço por trás dos ombros do neto.

[Velho]
Vamos sim, antes que ele esfrie com o vento que bate na janela.