Dizem que já ia pela terceira semana de julho quando tudo começou. A tarde estava muito mais fria do que o normal quando o Zé foi chamado até a sala do chefe. As paredes brancas e a mobília toda em alumínio tiravam mais alguns graus de temperatura do ambiente.
- Boa tarde, Sr. José!
- Boa Tarde, Seu Márcio. - respondeu o homem ressabiado, segurando o boné azul estampado com a marca de um posto de gasolina a frente do corpo.
- Então, como o senhor deve saber os tempos estão difíceis. As vendas tem caído muito. O dólar desparou absurdamente recentemente.
- É mesmo, é? - disse o homem, sem ter a menor noção do o outro falava. Na verdade o Zé prestava mesmo era atenção nas listras da gravata do outro, e de como elas lhe causavam vertigem.
- ... então, e por tudo isso, Sr. José, eu queria informar para o senhor que a empresa está o desligando da linha de produção a partir da próxima segunda-feira.
- Como é que é? Desligando assim, de me demitindo?
- Infelizmente é isso mesmo Sr. José.
- Mas, eu nunca fiz nada na vida. Só sei é trabalhar por aqui mesmo. Não tem como demitir outro não?
- Na verdade o senhor não é o único. Vários também serão demitidos.
- Tá, então. - Virou as costas e saiu sem fechar a porta.
Caminhou vagarosamente até a saída da fábrica. Olhou para trás uma última vez e se pôs a andar novamente. Antes que alcançasse a esquina um homem o parou no caminho. Usava apenas uma bermuda laranja e camiseta preta. Devia ter no máximo uns 25 anos.
- Licença senhor, por onde fica a rua das Oliveiras?
- Opa, essa é aqui pertinho. - respondeu o Zé, articulando amplamente os braços para mostrar o caminho. Despediu-se do estranho e continuou seu caminho para casa.
O homem de barba baixou o copo e olhou para o outro, incrédulo:
- Então se tá me falando que o Zé do Caminho ficou louco por que perdeu o emprego? Se for assim a gente té ferrado.
- Tá nada Tião. Esse negócio de férias coletiva é normal nesses negócio de crise igual a gente tá agora. E outra cabra, eu nem terminei de contar ainda a história do Zé.
Nas primeiras semanas o Zé aproveitou o desemprego. Acordava tarde, ia para o bar todo final de expediente encontrar os amigos que não tinham saído da firma. O problema foi quando o fundo de garantia acabou e o dinheiro começou a ficar escasso.
- Mais que droga Matilde. Tô te falando que eu saio todo dia pra procurar emprego, mas ninguém que pegar um burro véio igual eu.
- Tá, mas se você não botar dinheiro nessa casa pra alimentar teus filhos eu levo a Giusleide, a Marinela, o Cleosmar, o Wagnaldo e o Juninho pra Paraíba de volta. E você fica!
- Faz isso não minha nega!
- Faço, e faço com gosto.
Dito e feito. Um mês e meio depois dessa conversa a Matilde levou as crianças de volta pro sertão da Paraíba deixando o pobre sozinho na capital. Ele ainda correu pra rodoviária quando soube que ela tava com os meninos por lá, mas só chegou a tempo de acenar para eles de longe, enquanto o ônibus partia.
Na escada rolante, saindo das plataformas de ônibus um senhorzinho encostou a mão no ombro dele.
- Licença meu filho, sabe onde fica a rua das Oliveiras?
- Vixi meu senhor. Você tá longe demais da rua das Oliveiras, faz assim... - Enquanto explicava o caminho pro homem, algumas pessoas em volta olhavam meio assustadas pro Zé. Mas nada que fizesse ele perceber algo.
- Olha só. Eu não imaginava que o Zé tinha passado por tudo isso não. Pra mim ele sempre foi mendigo mesmo. Sabe, tem uns que a gente acha que são nascido e criado mendigo.
- Então, eu nem lembro quem me contou tudo isso. Olha lá o Zé - disse apontando para o outro lado da rua.
Na calçada contrária à do bar passava um homem velho. As roupas imundas tinham dizeres da campanha presidencial de três anos atrás. A barba era espessa, e se tinha a nítida impressão de pequenas folhas e gravetos estavam enroscadas nela. Ele balançava os braços e apontava direções calmamente. Como se ensinasse um caminho para algúem. Depois continuava a andar cambaleando, a garrafa de cachaça numa mão e o bonezinho azul na outra.
- Quer saber de uma coisa Tião, to indo embora, a Neusa deve tá esperando com as panelas no fogo lá em casa.
- Tô indo também. Tá meio tarde já.
Os dois homens pagaram a conta e saíram do bar, na esquina de uma das ruas do centro da cidade. Andaram por três ruazinhas de pouco movimento, caminho que era comum até a casa dos dois. Alguns metros antes de chegarem na esquina onde iriam se separar, contudo, foram abordados por uma mulher. Ela vestia calça jeans e uma camiseta rosa com um gato desbotado estampado na frente.
- Oi, não sei se vocês podiam me ajudar. Eu preciso chegar num lugar, mas não to achando a rua.
- E qual rua é? - perguntou Tião à mulher.
- Não lembro direito, pera aí. - disse, pegando um papel do bolso - Aqui, achei. É na rua das Oliveiras.
Os dois homens se entreolharam e começaram a gargalhar muito alto. Algumas pessoas que passavam pela viela ficaram olhando assustadas.
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Um comentário:
"... Giusleide, a Marinela, o Cleosmar, o Wagnaldo e o Juninho pra Paraíba de volta..."
Companheiro Celso, como você pôde esquecer outros grandes clássicos brasileiros, Washington e Katilce?
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