quarta-feira, 19 de agosto de 2009

The best is yet to come

** 28 de Outubro de 1964 **

"In other words, hold my hand
in other words, baby, kiss me..."


Eloise, apoiada no piano de calda de madeira escura, terminou a música debruçada sobre o rapaz que tocava o piano. Estava usando um vestido preto, que contrastava com sua pele alva e seus cabelos completamente loiros. Contudo, o jovem - de terno e gravata pretos com camisa branca - olhava mesmo era para sua boca; os lábios carnudos eram realçados por um vivo batom vermelho.

A platéia aplaudiu enquanto um ou outro homem jogava rosas brancas no palco, as quais Eloise recolheu gentilmente e as beijou. Caminhou suavemente até o jovem que havia voltado a tocar no piano e disse em seu ouvido:

- Estarei no meu camarim, passe por lá Mickey. - terminando com um leve beijo em sua bochecha.

O rapaz tocou mais três músicas até que um homem cerca de dez anos mais velho subisse ao palco carregando um saxofone. Ele usava um fraque que havia sido nitidamente cortado anos atrás, quando seu peso provavelmente era alguns quilos menor. Mike levantou-se e andou até o amigo:

- Eric, eu sei que nos tocariamos juntos as primeiras músicas mas, tem como você fazer isso sozinho essa noite? É que...
- Eloise, acertei? - perguntou o homem, já com um sorriso malicioso no rosto.
- Sim.
- Vá lá moleque, eu me viro por aqui. Mas Mike, já te falei para tomar cuidado com isso tudo. Você é novo, chegou em New York há apenas 3 meses. Não se envolva desse jeito com uma mulher quase vinte anos mais velha que você.
- Pode deixar Eric, eu sei me cuidar.
- Só não sei se você sabe cuidar de você estando com ela. - mas Mike já tinha dado as costas. Eric preparou o instrumento e soprou algumas notas como se o esquentasse para o show.

Ao descer do palco Mike recebeu cumprimentos dos homens sentados nas primeiras mesas. O salão era pequeno e forrado em madeira escura. A luz amarela pendia do teto sobre as mesas e dava um ar aconchegante ao ambiente. Especialmente em dias como aquele, em que uma fina camada de fumaça tomava todo o espaço do bar.

-- * --

- Aquela última música foi para mim? - perguntou o rapaz, entrando no pequeno cômodo que servia de camarim para a estrela do show.
- E para quem mais seria? - respondeu Eloise, com a voz docemente grave que lhe era comum.
- Não sei, você sempre anda entre as mesas flertando com os homens.
- Faz tudo parte do show, meu bobo preferido. Porque você acha que aqueles senhores trazem suas esposas a um bar pequeno e cheio de fumaça no meio de Manhattan? Para assistir ouvir algumas músicas e ir embora pensando que estão acompanhados por outra pessoa.
- Mas...
- Sem mais - retrucou, segurando o rosto do jovem entre suas mãos. Aproximando-se lentamente de Mike, beijou-lhe suavemente a boca - você sabe que não tem motivos para ter esse tipo de medo. Já te disse que estou completamente apaixonada por você, Mickey.
- Eu também, mas por favor, pare com essa história de Mickey. É Mike, e você sabe que eu não gosto disso.
- Mas eu gosto de te chamar de Mickey - respondeu movendo a cabeça ritimadamente até tocar novamente os lábios do rapaz.

Se beijaram algum tempo até que duas batidas na porta os interromperam. Eloise empurrou Mike para atrás do vão entre um mancebo com roupas e sua penteadeira. Abriu apenas uma pequena fresta. Mike reconheceu a voz de Luke, o negro que trabalhava como barmen na casa:

- Srta. Eloise, desculpe-me incomodá-la.
- Por favor Luke, não é problema algum. Diga-me, aconteceu alguma coisa?
- Não, apenas vim ver se a senhora já quer que eu a leve ao hotel.
- Sim, quero sim. Dê-me mais uns cinco minutos. Te encontro na saída dos fundos.
- Com certeza senhora, estarei te esperando.
- Obrigada Luke. Mas não se esqueça que é senhorita.
- Desculpe-me. - disse o negro, fechando a porta atrás de si, com cuidado para que não batesse.

Eloise tirou o colar de pérolas do pescoço e o colocou dentro de uma caixa preta sobre o móvel. Fez sinal para que Mike a ajudasse com o zíper nas costas da roupa.

- Obrigada. Agora vire-se, vou tirar o vestido.
- Mas nós já...
- Oras menino, deixe de ser atrevido. Se eu disse para se virar, vire-se! - respondeu rindo. Mike, contudo, obedeceu-a.
- Pronto, passe-me a minha piteira, por favor. Acho que está na minha bolsa aí nesta cadeira.

Somente depois de pegar a piteira de prata dentro da bolsa Mike virou-se para vê-la. Ela agora vestia um outro vestido, também preto com pequenas listras brancas, mas bastante mais folgado do que o do show.

- Você precisa mesmo fumar isso?
- Lógico! Não é pelo sabor, é pelo status.
- Mas ninguém está te vendo aqui.
- Você é novo por aqui. Mas eu vou te ensinar mais uma coisa sobre New York. Se você quer ser famoso nessa cidade, se quer que as pessoas te levem a sério, fume. Fume e beba whisky sempre que tiver qualquer oportunidade. Com licença, meu querido, mas tenho que ir. Luke está me esperando lá fora.

-- * --

** 08 de Novembro de 1964 **

- Não seja tolo, Brian. Eu não pediria para você me trazer a um almoço no restaurante do Ritz se eu não quisesse que as pessoas me vissem com você. - disse Eloise, segurando na mão do homem sobre a mesa.
- Então porque você esperou aquele fedelho entrar no prédio antes de descer do carro. - retrucou o homem. Tinha uma grande cara redonda, e um corpo tão grande e redondo quanto. O bigode fino que usava parecia não encaixar nos traços fortes de seu rosto.
- Porque aquele menino é meu pianista no show que faço todas as noites, e ele é apaixonado por mim. E eu nunca teria nada com um menino daquela idade. Então eu evito encontrá-lo fora do palco.

Antes que Brian pudesse responder qualquer coisa o garçom chegou trazendo os pratos que haviam pedido. O homenzarrão pediu ainda que lhe trouxesse uma garrafa do melhor vinho do restaurante.

- Ontem vi um colar e brincos de diamantes naquela joalheria na 8th Street que eram simplesmente fantásticos. Achei que ficariam perfeitos com aquele vestido vermelho que você me deu semana passada.
- Você os quer?
- Não sei Brian. Você tem me dado tantas coisas nesses últimos meses Acho que não teria coragem de aceitar mas nada de você.
- Mas eu gosto de dar essas coisas. Afinal, eu tenho que ter o direito de dar o que eu quiser para minha futura esposa.
- Claro que sim, seu bobo. Mas... - disse Eloise, com um olhar perdido pelo amplo salão do restaurante.
- Mas o que, Ellie?
- Você sabe. Eu não gosto daqueles homens que andam com você. - disse, apontando discretamente para quatro homens vestidos exatamente iguais, espalhados pelo salão.
- Por favor Eloise. Não vamos discutir isso de novo. Você sabe que quando se atua no que eu atuo nessa cidade você tem que tomar seus cuidados.
- É exatamente esse o problema, Brian. Você já tem dinheiro mais do que suficiente pra gente viver bem. Você podia parar de conviver com essas pessoas da máfia. Não sei, a gente podia se mudar de New York.

Brian olhou para os lados e segurou o pulso de Eloise firmemente:

- Nunca mais fale a palavra máfia. Nunca.
- Desculpe-me - responde, baixando um pouco os olhos - mas é que eu tenho medo que algo te aconteça.
- É justamente para não me acontecer nada que eu tomo esses cuidados.
- Posso te pedir uma coisa, então?
- Claro que sim.
- Eu aceito me mudar para a sua casa, como você havia me pedido. Mas com uma condição: seus capangas não ficam mais lá enquanto eu estiver morando com você. Você pode andar com eles pra cima e pra baixo durante o dia, mas quero eles longe de nossa casa.
- Tudo bem Ellie, tudo bem. O que eu não faço por você?

-- * --

** 14 de Novembro de 1964 **

"Don't you know little fool, you never can win
Use your mentality, wake up to reality..."


Sentada sobre o piano Eloise cantava sem tirar os olhos dos olhos de Mike. O vestido vermelho e o conjunto de brincos e colar de diamantes deixavam-na ainda mais sedutora. Depois da última música, Eloise vez o mesmo ritual de todas as noites, passando pelo beijo na bochecha de Mike e indo para o seu camarim.

- Estou com medo, Mickey. - disparou assim que o jovem entrou em seu camarim.
- Porquê? - respondeu ainda a porta, assustado.
- Não sei se você percebeu um homem que estava na platéia. Sentado numa das mesas ao fundo.
- Acho que eu vi quem era. Mas, porque você está com medo dele?
- Ele é envolvido com a máfia de New York. O Luke me disse que ele não é dos peixes grandes, mas mesmo assim é muito perigoso. E há umas duas semanas ele tem me perseguido. Vem aqui quase todas as noites, me segue nas ruas as vezes.
- Meu Deus! Você quer que eu faça alguma coisa?
- Claro que não, Mickey! Ele é um homem perigoso.
- Grande merda. Não tenho medo de ninguém. Não se ele estiver te fazendo mal.
- Por favor, Mickey. Não sei nem porque eu te contei. Não quero que você faça nada. Você é tolo, um capira do interior. Você não sabe com o que estaria se metendo. - Eloise soltou-se sobre uma poltrona de couro escuro no canto do quarto, algumas lágrimas escorreram de seu rosto.

Mike aproximou da mulher e agachou-se, abraçando-a. Ficaram naquela posição por vários minutos antes de se beijarem.

- Pode ficar tranquila, Eloise. Não vou fazer nada que seja perigoso.

-- * --

** 15 de Novembro de 1964 **

Quando Eloise chegou ao bar Eric estava no palco com seu saxofone. A casa estava cheia e a fumaça que cobria o salão um pouco mais densa, o que dificultava discernir o rosto das pessoas sentadas nas mesas mais distantes. Como de costume, Eloise caminhou vagarosamente até o bar. Mesmo estando ainda sem o vestido que usaria no show aquela noite seu andar atraia a atenção dos homens.

- Uma dose de whisky, Luke, por favor. - disse, apoiando-se no balcão do bar, ainda olhando para as pessoas nas mesas como se procurasse alguém.
- Claro, srta. Eloise.
- Diga-me uma coisa, Luke. Onde está o Mike. Geralmente ele abre no piano, o Eric costuma entrar somente depois de mim.
- Então, o menino não apareceu por aqui hoje. Até estranhei e fui ao apartamento dele, que é aqui perto, mas ninguém respondeu. A vizinha disse que ele voltou tarde da noite ontem, provavelmente depois de sair daqui, e poucos minutos depois saiu de novo.

Eloise não respondeu, apenas pegou o copo e tomou um longo gole do líquido no copo. Depois, sentou-se numa cadeira alta e começou a rodar a pedra de gelo no copo. Seu olhar ainda era perdido entre as mesas.

- Luke, você viu se um homem que sempre senta-se naquela mesa apareceu por aqui hoje?
- Quem? O Brian?
- Esse mesmo, acho que era esse o nome.
- Com certeza o Brian não veio aqui hoje. Não veio, e não vem. - disse o barman calmamente, enxugando um copo com um guardanapo branco que a pouco estava em seu ombro.
- Como assim? - respondeu Eloise subitamente, virando-se para encarar o homem.
- Pois é. Estava no jornal de hoje cedo. A polícia invadiu a casa de uns três mafiosos hoje de manhã, mas parece que quando chegaram na do Brian ele estava morto. Encontraram mais um corpo na casa, mas não divulgaram o nome.
- Que pena. Não foi bem isso que eu tinha planejado.
- Desculpe srta?
- Nada Luke, nada. Estava pensando alto. Por favor Luke, você pode pedir para alguém te substituir no bar algum tempo?
- Sim, Eloise, porque?
- Gostaria que me levasse ao aeroporto.
- Mas... o show.
- Acho que não teremos mais show essa noite.

Dois homens de terno entraram escancarando a porta do bar. Ambos analisavam o local minuciosamente. Eloise percebeu quem eram:

- Mas vamos rápido, te encontro na porta dos fundos.

Saiu rapidamente do bar e entrou pela porta que dava acesso ao seu camarim. Abriu uma grande bolsa e jogou as quatro grande caixas de jóias, os vestidos que usava nos shows e saiu caminhando a passos largos.
Como sempre, Eloise sentou-se no banco de trás do carro e pediu que Luke ligasse o rádio do carro. Depois de alguma dificuldado, conseguiu sintonizar uma estação que tocava Sinatra.

They call you lady luck
But there is room for doubt
As times you have a very un-lady-like way
of running out


Um comentário:

Clara Madrigano disse...

Conto também conhecido como THE COUGAR AND THE MOB.